My One Thousand Movies
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.
My One Thousand Movies

O forum do blog My One Thousand Movies


Você não está conectado. Conecte-se ou registre-se

CINEMA & PSICANÁLISE (Ford, Scorcese e Bergman)

3 participantes

Ir para baixo  Mensagem [Página 1 de 1]

Santos



DEI, NUM DESTES DIAS, UMA ESPREITADELA AO YOUTUBE PARA ASSISTIR A UM EXCERTO DA "HISTÓRIA DO CINEMA" POR JEAN-LUC GODARD.
E LÁ VI, POR EXEMPLO, A IMAGEM DE JOHN FORD, O TAL QUE NAS ENTREVISTAS NÃO DIZIA NADA, MAS QUE TUDO DIZIA NOS FILMES.
E LEMBRO-ME QUE NA "CAVALGADA HEROICA" ELE VEIO DIZER QUE NOS FILMES DO FARWEST OS INDIOS NÃO PASSAM DE UM ELEMENTO DO CENÁRIO,REPRESENTAM O MAL EXTERIOR, MAS...SE NÃO HOUVESSE O "EU" NÃO HAVERIA MUNDO EXTERIOR (UMA PROJECÇÃO NOSSA).
É NOS OUTROS QUE IDENTIFICAMOS E CASTIGAMOS AS NOSSAS FALHAS, NOSSOS DEFEITOS, NOSSO MAL.
QUANDO O ASSASSINO CUMPRE O SEU PAPEL, É O SEU SUBCONSCIENTE QUE O IMPELE A LIBERTAR O MUNDO DO MAL QUE EXISTE EM SI, QUE O ATORMENTA, MAS QUE ESTE SÓ NOS OUTROS IDENTIFICA, SÓ NOS OUTROS CASTIGA.
NÃO FOI ISSO QUE NOS DISSE SCORCESE EM "TAXI DRIVER"?
E NÃO TERÁ SIDO ISSO MESMO QUE QUIS DIZER BERGMAN QUANDO, EM RESPOSTA AOS ELOGIOS DESMEDIDOS QUE CERTA VEZ GODARD LHE DIRIGIA, LHE MANDOU DIZER:"QUANDO FALAMOS DOS OUTROS, DE QUE FALAMOS NÓS SENÃO DE NÓS PRÓPRIOS"?

Santos



"ENQUANTO SOMOS CRIANÇAS O CINEMA É UM AUXILIAR DO OBSCURO MUNDO PROMETIDO NOS SENTIDOS, NA INTELIGÊNCIA, NA FORÇA DE VIVER. NADA MAIS FASCINANTE PARA UMA CRIANÇA IMAGINATIVA DO QUE O MOMENTO EM QUE SE APAGAM AS LUZES DUMA SALA DE ESPECTÁCULOS E APARECEM AS PRIMEIRAS IMAGENS - A NEVE QUE AÇOITA UM VIAJANTE, UM VULTO NUM PORTAL.

DESEJAMOS SER ADULTOS E TER UMA EXISTÊNCIA PRÓPRIA, COM SOFRIMENTO E RECOMPENSA. UM JOVEM SAUDÁVEL PENSA NA DOR ATÉ COMO ASPIRAÇÃO; PENSA EM SACRIFICAR-SE E ATRAÍR A ADMIRAÇÃO DOS OUTROS.

O CINEMA, UM ROMANCE, UM TRECHO MUSICAL, PROLONGA NELE ESSA DOCE ANGÚSTIA QUE É EQUILÍBRIO DA SUA FRUSTRAÇÃO. SONHA COM TESOUROS DE SOFRIMENTO E DE PRAZER, PORQUE NÃO PODE CONSAGRAR-SE À REALIDADE. DEPOIS VAI DESAPARECENDO NA CRIANÇA ESSE ESTADO LARVADO DE APROXIMAÇÃO DO SEU MUNDO ATRAVÉS DE UMA IMAGEM SIMPATIZANTE; APRENDE A AMAR-SE E A RESPEITAR O ESPÍRITO QUE NELA HABITA.

O CINEMA TORNA-SE IMPORTUNO QUANDO O JOVEM DESCOBRE A INFINITA IMPORTÂNCIA DA SUA PRÓPRIA ACTUAÇÃO NA VIDA. E EXCEPTO QUANDO O ADULTO CRISTALIZA NA SUBSERVIÊNCIA AOS
SEUS PRIMEIROS MÉTODOS DE TRIUNFO INFANTIL, QUE FORAM ENCARNAR NO HERÓI OU NO MONSTRO, O CINEMA NÃO O SATISFAZ NUNCA MAIS.

QUANDO MUITO TORNAR-SE-À UM CRÍTICO FRIO E QUASE DIFAMADOR DESSE ESPECTÁCULO QUE NÃO AMA E QUE FOI UM DIA O ESPLENDOR DA SUA INICIAÇÃO. É POSSÍVEL QUE LHE CHAMEM ENTÃO COMPETENTE NA SUA MISSÃO DE ELUCIDAR O PÚBLICO, MAS DE FACTO, ELE NÃO TEM MAIS INTERESSE POR AQUELE ANTIGO PADRÃO DA SUA AVENTURA. A CRÍTICA É, POIS, UMA ROTINA DA DESILUSÃO."
- Agustina Bessa-Luís-

3CINEMA & PSICANÁLISE (Ford, Scorcese e Bergman) Empty Cinema & psicanálise (Hitchcock) Qua Mar 17, 2010 1:42 pm

Xavier Liberto Beco

Xavier Liberto Beco

Antes de mais, fico feliz de ver novos tópicos a aparecerem no fórum.

Começo por Agustina, dando-lhe razão, assentindo que o que nos atrai inicialmente no Cinema é o encontrar de um objectivo. Como fazemos nele a nossa projecção. Por mim o encanto continua, aceitando porém o facto da existência da crítica exacerbada. Quanto tento escrever sobre um filme, tenho a tendência da aclamação ou do desprezo, dificilmente conseguindo o realismo pragmático que alguns conseguem. João Bénard da Costa à cabeça, sem nunca perder a faculdade de se apaixonar.

Tenho, ultimamente, ouvido António Pedro Vasconcelos dizer disparates do tamanho do mundo, mas pelo meio disse ele, “o cinema é a correcção da vida”. Em cheio, digo eu. Passo para o teu primeiro texto.

É realmente a expiação de cada um que encontramos, não raras vezes, no cinema, como móbil da acção. Lembras Scorsese e Taxi Driver (por acaso um dos meus filmes favoritos. De sempre) e bem. “In every city, there is a nobody who wants to be somebody”, se bem me lembro, ou seja quando eliminamos o mal que projectamos nos outros, eliminamos também o nosso. Existe uma purificação, o atingir de um patamar superior. E chego a Hitchcock, à discussão que se faz claramente em Shadow of a dout e em The rope, e que está subjacente em quase toda a sua obra, a capacidade e legitimidade de executar o crime perfeito como prova e direito de alguém moralmente superior. Recorrendo-me da literatura lembro A aparição, de Vergílio Ferreira, e o seu Bexiguinha, que ao matar acidentalmente uma galinha chegou à conclusão que era ele, e cada um de nós, uma encarnação de Deus. Por possuirmos a capacidade de determinar se cada ser vive ou morre.

É pelo seu pragmatismo que John Ford toma estas considerações como exteriores. Ele conhecia-as e conseguia usá-las, efectivamente, como parte de um cenário traçado. Foi na essência um grande pintor. O despojamento e a secura são, para mim, artes maiores, e o que John Ford sempre conseguiu, com o seu poder de manipulação e composição, foi usar tudo o que nos leva muito tempo a compreender como instrumentos manobrados com uma precisão imensa.

(Já me estiquei. Talvez nem mesmo um fórum seja sítio para tanto palavreado, potencialmente risível eh eh Smile

...



...



Última edição por ... em Qui Set 05, 2013 2:11 am, editado 1 vez(es)

Santos



Enquanto deitava aqui os olhos sonolentos ao "Boceta de Pandora" de Pabst, filme de que o Murilo me falou a propósito da protagonista (Louise Brooks) dei por mim a recordar as palavras dele, que falavam na energia luminosa dela, do frémito do seu corpo, da sua vontade inexcedível, do seu querer ir mais alto, ser maior.


Através dela, vejo a ansia de Ícaro, cujas asas derreteram ao aproximar-se/apaixonar-se do Sol, pelo Absoluto; vejo Florbela Espanca, Ícaro caído, anjo atormentado, expulso do infinito, errando pelos caminhos do mundo.

"Ser Poeta
(...)
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja;
É ter asas e garras de condor!
(...)
É ter fome e sede de infinito!
(...)"

Os outros personagens do filme, os vilões, tal e qual na histórinha do pequeno e tão frágil Pinóquio, assombram os sonhos dela, que tudo sonha, na sua vontade de abraçar o mundo, tão vasto, tão imenso é o abraço do sorriso dela!

Santos



Se me surpreendem a ouvir Chet Baker, como hoje, ao princípio do dia, no fim da preguiça, vêem-me a recordar a crónica "Dumbo Koochy Koochy!" assinada em tempos por Bénard da Costa.

Apetece-me ligar estas coisas quando oiço o "Mr. Cool" (como o apelidavam nos EUA), já desgastado pelo tempo e pela deriva da auto-destruíção, nas gravações dos seus últimos anos, década de 80. A voz deficiente, de uma boca onde os dentes já não são mais do que uma saudade, num cantarolar empapado, sofrido, lamentoso, a reforçar o tom aveludado da música.

Essa falha(dos dentes)tomo-a como benéfica para adequar o tom da voz às cores da melodia, algo que me faz recordar, nessa crónica de Bénard da Costa, o episódio que ele conta assim: "...com umas orelhas tão imensas, Dumbo não acreditava que podia voar. Resistia quanto podia, mas Timóteo gritava-lhe: "You can fly, honest, you can." e, a certa altura, lá ia ele, pelo céu azul, azul, tão azul como os olhos dele. E Dumbo voava, voava, com o complexo de Ícaro todo solto."

Amo estas linhas quase até às lágrimas, às vezes perguntando-me se algumas vez o ex-director da Cinemateca terá escrito prosa tão comovente como esta. Acredito que sim.

E foi assim que o elefante menino desajeitado, envergonhado com tão injusta falha da natureza, conseguiu fazer de uma deficiência um atributo.

Santos



"A cultura inteira de uma época fala, em quantidades maiores ou menores, e de maneiras mais ou menos profundas, nas obras de todos os seus autores.

É possível descobrir a repetição de alguns traços que distinguem a "nossa" mentalidade(o nosso gosto, neste caso) da de outros períodos.

Qual será o gosto predominante deste nosso tempo, aparentemente tão confuso, fragmentado, indecifrável? Creio tê-lo encontrado e proponho para ele um nome: NEOBARROCO.

O Neobarroco é simplesmente "um ar do tempo" que alastra a muitos fenómenos culturais de hoje, em todos os campos do saber, tornando-os parentes uns dos outros, e que, ao mesmo tempo, os faz diferir de todos os outros fenómenos de cultura de um passado mais ou menos recente.

No que consiste o Neobarroco está quase dito. Encontra-se na procura de formas - e na sua valorização - em que assistimos à perda da integridade, da globalidade, da sistematicidade ordenada, em troca da instabilidade, da polidimensionalidade, da mutabilidade.

É por isso que uma teoria científica que diz de respeito a fenómenos de flutuação e turbulência, e um filme que concerne a mutantes de ficção científica são aparentados: porque cada âmbito fala de uma orientação comum do gosto.

Se estamos em posição de nos apercebermos de "semelhanças" e de "diferenças" entre fenómenos que têm, no entanto, uma aparência muitíssimo distante, então isto significa que há qualquer coisa lá debaixo. Que para além da superfície existe uma forma subjacente que permite as comparações e os parentescos. Uma forma, ou seja, um principio de organização abstracto dos fenómenos, que preside ao seu sistema interno
de relações.

A história da Arte, antes de procurarmos a motivação que antecedeu um facto ou um conjunto de factos, é obrigada a definir os factos. É por isso que existem noções como as de "estilo", "motivo", ou "gosto".

O carácter de "excitação" produzido no interior do sistema da cultura, e no seio do público que dela frui, pode ser precisamente uma maneira de classificar uma época ou um período.

Se considerarmos dado objecto da cultura como qualquer coisa de comunicável, veremos imadiatamente que ele se integra numa cadeia de comunicação, como fenómeno dotado de uma forma ou de uma estrutura subjacente.

Chegámos assim a uma formulação de parentescos. Dos caracteres de tais parentescos provirá a formulação de um "gosto" mais típico da nossa época, provavelmente em conflito com outros gestos, e não necessáriamente gosto dominante.

A minha tese geral é de que muitos importantes fenómenos de cultura do nosso tempo são marcas de uma "forma" interna específica que pode trazer à mente o Barroco.

O barroco não é só um período específico da história da cultura (século XVIII), mas uma atitude generalizada e qualidade formal dos objectos que o exprimem. Neste sentido pode haver barroco em qualquer época da civilização. "Barroco" que se torna uma categoria do espírito, oposta à de "Clássico".

Na época contemporânea, de facto, identificamos o abandono de todas as características de ordem e simetria (Clássico), e vislumbramos o advento do desarmónico e do assimétrico (Barroco).


RITMO E REPETIÇÃO

- REPLICANTES -

Há uma metáfora no filme "Blade Runner" que pode servir para as observações que se seguem. Trata-se da figura dos "Replicantes", que nascem como rôbôs perfeitamente semelhantes a um original, do qual melhoram algumas características mecânicas mas que depois se tornam autónomos do original e também preferível a ele, sob o ponto de vista estético e sentimental.

Se experimentarmos pensar nos mesmos termos nos produtos de ficção dos mais modernos meios de comunicação social, poder-se-ia extraír deles a mesma filosofia: Os "replicantes" (séries, remakes, banda desenhada, canções, etc.) nascem como produtos de mecânica repetição e optimização do trabalho mas o seu aperfeiçoamento produz mais ou menos involuntáriamente uma estética, ou melhor, UMA ESTÉTICA DA REPETIÇÃO.

Decorrente dessa estética, concorda-se com a atitude de grupos que elevam produtos de série às fileiras dos produtos de culto, mas só porque estes, ao fazê-lo produzem um valor estético que não reside nas obras cultivadas, mas na atitude de fruíção.


- "Omar Calabrese, in A Idade Neobarroca, 1987."

Conteúdo patrocinado



Ir para o topo  Mensagem [Página 1 de 1]

Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos